É uma palavrinha que nos enche de vaidade. Os brasileiros
adoram dizer que só em nossa língua é possível dizer SAUDADE.
Pode ser. Afinal, brasileiro que se preza é especialista em
tudo, por que não em filologia? Nem só de futebol vive o homem!
Mas não se pode esquecer de que palavras expressam
sentimentos, alma, verdades profundas da mente, afetos, por isso, a gente gosta
de escrever poeticamente.
Então, vamos falar de saudade.
É verdade, nossa língua, que segundo Manuel Bandeira não
morrerá sem poetas nem soldados, dispõe desta expressão delicada como
nenhuma outra. Aliás, no nosso português brasileiro, se diz SAU-DA-DE, assim
mesmo, com três sílabas. Na língua de nosso avozinho – Portugal—se diz
SA-U-DA-DE, com o hiato, ficando com quatro sílabas. Confesso que gosto mais do
jeito lusitano, porque alonga a semivogal U da palavra, dando a sensação de
lonjura, de distância, do mar de longo, como escreveu Caminha na sua carta. E
saudade tem tudo a ver com mar, com viagem.
Mas, como apareceu o sentimento que ela expressa?
Foi lá com os gregos, depois da guerra de Tróia, a única
guerra do mundo por causa de um delicado adultério. Até hoje, ficamos entre as
virtudes de Penélope e a traição de Helena. Tem até um livro de um sofista
chamado Górgias – O ELOGIO DE HELENA – escrito duzentos anos antes de
Cristo.
Você sabe, não é, leitor: aquela história de Helena que fugiu
com um jovem muito bonito, chamado Páris, etc…Pra mim, faltou senso de humor,
mas, de qualquer modo, deu na Ilíada, um poema fundamental de Homero. Quem
podia imaginar que uma recatada senhora pula o muro e vira personagem de uma
civilização inteira!!!
Pois é, tudo conversa. A guerra teve motivações mais
profundas, mas não deixa de ser poético este adultério.
Acontece, porém que, terminado o conflito de mais de dez
anos, os vencedores, os gregos, tiveram de voltar para casa. Voltar, depois de
tanto tempo, significou reencontrar o lar, os filhos, a pátria com outra cara,
ou com outros caras. Ninguém é de ferro, só Penélope, a rainha de Ítaca, mulher
de Ulisses, por isso foram histórias marcantes. Um desses heróis, por
exemplo, só voltou depois de vagar mais de dez anos no mar. Repare como os
gregos gostavam do número dez!
Ulisses, ou Odisseus, sofreu um bocado para retornar para os
braços de sua Penélope, sua rainha amada, que costurava um tapete de dia e o
descosturava à noite, prometendo interromper seu recato quando o infinito
tapete estivesse concluído. Lindo engano, ledo engano, o tapete não acabava
mais e sua fidelidade ficando garantida.
Bem, todas essas histórias se chamavam nostoi e
relatavam as emoções e os sofrimentos do longo retorno. Como sofrimento e dor
se exprimem na palavra algia, apareceu a palavra mágica: nostalgiaque
significa “melancolia produzida no exilado com saudades da pátria”( está lá no
Aurélio)
Taí a origem da saudade: um sentimento de falta, de ausência,
misturado com uma sensação de impotência para enfrentar os desafios, os
obstáculos que impedem o retorno.
Em quase todas as línguas ocidentais, saudade está ligada a
este sentimento de perda, de angústia, mas na nossa é mais profundo, porque
podemos ter saudade até do que nunca vivemos, podemos ter saudade do futuro,
por exemplo.
É tão belo e profundo que não me furto a repetir algumas
belíssimas definições para meus raros leitores terem o que fazer neste blog,
que gentilmente me hospeda..
De Guimarães Rosa:
. Moço, toda saudade é uma espécie de velhice
. A saudade é um sonho insone
. A saudade é o coração dando sombra
. Saudade – um fogo enorme, um monte de gelo
. Saudade – cofrinho sem chave.
. Saudade é ser, depois de ter.
Do grande poeta português, Fernando Pessoa:
. Todo cais é uma saudade de pedra.
Do orgulho de minha geração, minha favorita. De Chico Buarque
de Holanda:
. A saudade é o revés do parto/Saudade é arrumar o quarto do
filho que já morreu.
E para homenagear o rude realismo de nosso povo, aqui vai uma
definição mais popular:
. Saudade é coisa que dá e passa.
E vocês, meus desocupados leitores, têm saudade de quê
ou de quem?
Carlos Sepúlveda Alves
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