sábado, 10 de agosto de 2013

O QUE É SAUDADE

É uma palavrinha que nos enche de vaidade. Os brasileiros adoram dizer que só em nossa língua é possível dizer SAUDADE.
Pode ser. Afinal, brasileiro que se preza é especialista em tudo, por que não em filologia? Nem só de futebol vive o homem!
Mas não se pode esquecer de que palavras expressam sentimentos, alma, verdades profundas da mente, afetos, por isso, a gente gosta de escrever poeticamente.
Então, vamos falar de saudade.
É verdade, nossa língua, que segundo Manuel Bandeira não morrerá sem poetas nem soldados, dispõe desta expressão delicada como nenhuma outra. Aliás, no nosso português brasileiro, se diz SAU-DA-DE, assim mesmo, com três sílabas. Na língua de nosso avozinho – Portugal—se diz SA-U-DA-DE, com o hiato, ficando com quatro sílabas. Confesso que gosto mais do jeito lusitano, porque alonga a semivogal U da palavra, dando a sensação de lonjura, de distância, do mar de longo, como escreveu Caminha na sua carta. E saudade tem tudo a ver com mar, com viagem.
Mas, como apareceu o sentimento que ela expressa?
Foi lá com os gregos, depois da guerra de Tróia, a única guerra do mundo por causa de um delicado adultério. Até hoje, ficamos entre as virtudes de Penélope e a traição de Helena. Tem até um livro de um sofista chamado Górgias – O ELOGIO DE HELENA –  escrito duzentos anos antes de Cristo.
Você sabe, não é, leitor: aquela história de Helena que fugiu com um jovem muito bonito, chamado Páris, etc…Pra mim, faltou senso de humor, mas, de qualquer modo, deu na Ilíada, um poema fundamental de Homero. Quem podia imaginar que uma recatada senhora pula o muro e vira personagem de uma civilização inteira!!!
Pois é, tudo conversa. A guerra teve motivações mais profundas, mas não deixa de ser poético este adultério.
Acontece, porém que, terminado o conflito de mais de dez anos, os vencedores, os gregos, tiveram de voltar para casa. Voltar, depois de tanto tempo, significou reencontrar o lar, os filhos, a pátria com outra cara, ou com outros caras. Ninguém é de ferro, só Penélope, a rainha de Ítaca, mulher de Ulisses,  por isso foram histórias marcantes. Um desses heróis, por exemplo, só voltou depois de vagar mais de dez anos no mar. Repare como os gregos gostavam do número dez!
Ulisses, ou Odisseus, sofreu um bocado para retornar para os braços de sua Penélope, sua rainha amada, que costurava um tapete de dia e o descosturava à noite, prometendo interromper seu recato quando o infinito tapete estivesse concluído. Lindo engano, ledo engano, o tapete não acabava mais e sua fidelidade ficando garantida.
Bem, todas essas histórias se chamavam nostoi e relatavam as emoções e os sofrimentos do longo retorno. Como sofrimento e dor se exprimem na palavra algia, apareceu a palavra mágica: nostalgiaque significa “melancolia produzida no exilado com saudades da pátria”( está lá no Aurélio)
Taí a origem da saudade: um sentimento de falta, de ausência, misturado com uma sensação de impotência para enfrentar os desafios, os obstáculos que impedem o retorno.
Em quase todas as línguas ocidentais, saudade está ligada a este sentimento de perda, de angústia, mas na nossa é mais profundo, porque podemos ter saudade até do que nunca vivemos, podemos ter saudade do futuro, por exemplo.
É tão belo e profundo que não me furto a repetir algumas belíssimas definições para meus raros leitores terem o que fazer neste blog, que gentilmente me hospeda..
De Guimarães Rosa:
. Moço, toda saudade é uma espécie de velhice
. A saudade é um sonho insone
. A saudade é o coração dando sombra
. Saudade – um fogo enorme, um monte de gelo
. Saudade – cofrinho sem chave.
. Saudade é ser, depois de ter.
Do grande poeta português, Fernando Pessoa:
. Todo cais é uma saudade de pedra.
Do orgulho de minha geração, minha favorita. De Chico Buarque de Holanda:
. A saudade é o revés do parto/Saudade é arrumar o quarto do filho que já morreu.
E para homenagear o rude realismo de nosso povo, aqui vai uma definição mais popular:
. Saudade é coisa que dá e passa.
 E vocês, meus desocupados leitores, têm saudade de quê ou de quem?


Carlos Sepúlveda Alves


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