sexta-feira, 30 de agosto de 2013

SUBMUNDO POR CARLOS SEPULVEDA

Carlos Sepúlveda SUBMUNDO Li, na minha longínqua infância, uma história em quadrinhos cujo enredo muito me impressionou na época. Tratava-se da história de um mundo subterrâneo que repetia, para meu espanto, o próprio mundo sobreterrâneo, numa espécie de platonismo invertido. Referia-se a um mundo por baixo da terra onde habitavam seres estranhos, constituintes de uma civilização esquecida, porém devotada à preservação de incorruptíveis valores humanos. O mundo subterrâneo era composto de homens e mulheres devotados à poesia, à música, às artes, embora mantivesse um exército de excepcionais guerreiros cuja missão era a defesa da integridade e do segredo dos subterráqueos. Não disse ainda, mas esta civilização florescia longe dos olhos curiosos das multidões. Para alguns, especialmente aqueles que traziam a ganância e a maldade como destino, confundia-se com o Inferno. Era bastante divulgado o episódio de um iluminado, poeta italiano, ter escrito que naquele lugar podia-se perder a esperança e este seria o derradeiro suspiro da espécie. A cidade debaixo da terra era formada de intermináveis labirintos e imensos salões onde sábios anciões reuniam-se para orientar o destino dos povos da superfície. A missão precípua dos subterráqueos era manter a humanidade longe de seu fim por meio das lições de sabedoria, da ética e da salvação. Na verdade, o fim haveria de ocorrer, cedo ou tarde, por isso estes abnegados seres ocultos exercitavam o dever de fazer com que o anunciado fim tardasse, mais que pudesse. A humanidade parcialmente visível dependia desta luta secreta entre a devota missão dos sub e a abnegada resistência dos sobre. Embaixo, atravessando infinitos corredores, ora gotejantes e sombrios, ora claros e imaculados, os habitantes trabalhavam, educando e depurando a refinada população composta de milhares de seres humanos trajados de branco que se preocupavam com a salvação da Terra. Sempre quando necessário, um dos subterráqueos subia à superfície para, como num sonho, orientar e interferir na vida dos humanos no mundo superior, evitando guerras, fome, peste e todos os pecados apocalípticos cometidos pelo mais cruel adversário da humanidade, a ambição. Então, os conflitos, as misérias humanas e, principalmente, o princípio da preservação da nossa espécie deviam-se a estas oníricas intermitências. O mundo oculto, preservado nos subterrâneos, era responsável pela solitária grandeza do homem. Sua humanidade, desde sempre, era o resultado de uma luta secreta, da devoção a uma outra comunidade; essa, oculta sob os escombros da Terra. Enfim, encontrava-se nova razão para os sonhos: revelar o homem a si mesmo a partir de um luminoso sentimento de amor ao próximo. Sempre que houvesse urgência, um ser humano especial encarnava a utopia da vida perfeita e, com uma genialidade herdada dos subterráqueos, inventava algo que prolongava a felicidade dos de cima. Eram os grandes gênios benfeitores, como o foram Mandela, Gandhi, Jesus e poucos outros. Apesar de um mundo tectônico, secreto, não revelado, era ele responsável final por uma nova humanidade, feliz e justa. Em meus delírios infantis (tinha talvez meus oito anos), a aurora de minha vida, (de que tenho saudades), era esta humanidade do submundo que existia, para tornar a vida possível, ou melhor: provável. Neste mundo, eu era um imaginário protagonista. Vestido de branco, com as mãos brancas, caminhando por brancas nuvens brancas, eu trazia a mensagem branca da salvação… Depois, na idade da razão e do conformismo não sei mais que fim levou esta humanidade secreta, mas, de vez em quando, eu ainda acho que vivo enterrado na imensa claridade de luz mediterrânea de todas aquelas virtudes e fico pensando entre aspas e parênteses que a humanidade precisa sempre de um pouco de ingenuidade, até para saber que é humanidade. Viver esta história antiga que consola (ainda) um homem antigo, muitas vezes vale a pena, porque a esperança habita o surpreendente ventre da terra e aqueles homens cândidos ainda sonham em salvar a história, o planeta, a vida, enfim… Mas quem se importa?

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